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Altamont Free Concert

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Altamont Speedway Free Festival
Altamont Free Concert
Pôster oficial do festival.
Local(is) Altamont Speedway, na Califórnia,
nos  Estados Unidos
Data(s) 6 de dezembro de 1969

O Altamont Speedway Free Festival foi um concerto de roque da contracultura que se realizou no sábado, dia 6 de dezembro de 1969, no autódromo de Altamont, no norte da Califórnia, nos Estados Unidos.[1][2] Aproximadamente 300 000 pessoas assistiram ao evento,[3] e alguns anteciparam que ele seria um "Woodstock do oeste".[4] O festival de Woodstock havia se realizado em Bethel (Nova Iorque), em meados de agosto, menos de quatro meses antes do festival de Altamont. O evento de Altamont ficou famoso principalmente pelo alto grau de violência, incluindo o assassinato por esfaqueamento de Meredith Hunter e três mortes acidentaisː duas causadas por acidente automobilístico e uma causada por afogamento num canal de irrigação devido ao uso de LSD.[5] Painéis foram danificados, muitos veículos foram roubados e abandonados, e houve muitos danos a propriedades.[6][7]

O concerto apresentou (por ordem de apresentação)ː Santana, Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e Crosby, Stills, Nash & Young, com os Rolling Stones se apresentando como o ato final.[8] O Grateful Dead também havia sido programado para se apresentar após o CSNY, mas se recusaram a tocar pouco antes da hora da apresentação devido à crescente violência do evento.[9] "Foi assim que as coisas aconteceram em Altamont - tão ruim que o Grateful Dead, organizador primário e impulsionador do evento, nem sequer chegou a tocar", disse a revista Rolling Stone numa narrativa detalhada do evento,[10] finalizando com "foi o pior dia da história do roque, 6 de dezembro, um dia em que tudo aconteceu perfeitamente errado".[11]

Os cineastas Albert e David Maysles gravaram cenas do festival e as incorporaram ao documentário de 1970 Gimme Shelter.[12]

Narrativa dos bastidores centrada no Jefferson Airplane

De acordo com Spencer Dryden, do Jefferson Airplane, a ideia para "uma espécie de Woodstock do oeste" surgiu quando ele e seu colega de banda Jorma Kaukonen discutiram a realização de um concerto gratuito com o Grateful Dead e os Rolling Stones no Golden Gate Park. Referindo-se aos Stones, Dryden disseː "ao lado dos Beatles, eles eram a maior banda de roque do mundo, e queríamos que eles experimentassem aquilo que estávamos vivenciando em São Francisco". Conforme os planos estavam sendo finalizados, o Jefferson Airplane estava excursionando e, no início de dezembro, estava na Flórida, acreditando que os planos para o concerto no Golden Gate estavam em vigor. Mas, em 4 de dezembro, os planos foram cancelados, de acordo com os registros de Paul Kantner, porque os governos municipais e as polícias não colaboraramː o conflito inato entre os hippies de Haight-Ashbury e a polícia se manifestou sob a forma de obstruções. Foi sugerido o autódromo de Sonoma, mas seus proprietários queriam 100 000 dólares estadunidenses como garantia dos Rolling Stones. No último momento, Dick Carter ofereceu seu autódromo de Altamont, no condado de Alameda, para o festival. O Jefferson Airplane decolou de Miami no dia 5. Kantner disse que a locação foi escolhida em espírito de desesperoː "não havia meio de controlar, nenhuma supervisão ou ordem". De acordo com Grace Slick, "as vibrações eram ruins. Algo era muito peculiar, não particularmente mau, apenas realmente peculiar. Era aquele tipo de dia inseguro, abrasivo e enevoado. Eu esperara as vibrações amorosas de Woodstock mas isso não estava chegando até mim. Era uma coisa completamente diferente."[13]

Narrativa dos bastidores centrada nos Rolling Stones e Grateful Dead

Durante a turnê estadunidense dos Rolling Stones em 1969, muitos (incluindo jornalistas) acharam que os ingressos eram muito caros. Em resposta a estas críticas, os Rolling Stones decidiram finalizar a excursão com um concerto gratuito em São Francisco.

O concerto estava, originalmente, programado para acontecer no campo da Universidade Estadual de San Jose, pois havia acontecido, recentemente, um espetáculo gratuito de três dias no local com 52 bandas e 80 000 espectadores. A Dirt Cheap Produtions foi chamada novamente para garantir a segurança durante um concerto gratuito dos Rolling Stones e Grateful Dead no local. Os Rolling Stones e o Grateful Dead foram, então, informados de que a prefeitura de San Jose não estava disposta a realizar outro espetáculo. O Golden Gate Park em São Francisco era o seguinte na lista. Entretanto, um anteriormente programado jogo entre o Chicago Bears e o San Francisco 49ers no estádio Kezar, no Golden Gate Park, tornou impossível o evento. O espetáculo então foi transferido para o Sears Point Raceway. Entretanto, o proprietário do Sears Point (a Filmways) exigiu um depósito de 300 000 dólares estadunidenses dos Rolling Stones e direitos de distribuição do filme, então o festival foi transferido novamente. O autódromo de Altamont foi escolhido por sugestão do seu então proprietário, o empresário local Dick Carter. O concerto foi programado para sábado, 6 de dezembroː a locação foi alterada na noite de quinta-feira, 4 de dezembro.

Na preparação, o empresário do Grateful Dead Rock Scully e o organizador do evento Michael Lang sobrevoaram de helicóptero o local antes da escolha da locação, da mesma forma como Lang havia feito no festival de Woodstock ao mudar na última hora o local de Wallkill (Condado de Orange) para Bethel (Nova Iorque).[14]

A precipitada mudança resultou em inúmeros problemas logísticos, incluindo a falta de itens como banheiros portáteis e tendas médicas. A mudança também criou um problema para a montagem do palcoː em vez de estar no topo de uma elevação, o que caracterizava a geografia de Sears Point, o palco em Altamont agora estaria na base de um declive. O empresário de palco dos Rolling Stones na turnê de 1969, Chip Monk, explicou que "o palco tinha um metro de altura e [em Sears Point] estava no topo de um monte, portanto a pressão da audiência estava sobre eles".[15] Devido à súbita mudança, o palco não pôde ser modificado. "Nós não estávamos trabalhando com andaimes, estávamos trabalhando à moda antiga, com paralelepípedos. Você poderia ter colocado um outro palco embaixo... mas ninguém tinha um", disse Monck.[16]

Por o palco estar tão baixo, pediu-se, aos membros do Hells Angels liderados pelo chefe do capítulo de Los Angeles Sonny Barger, que estes rodeassem o palco para garantir a segurança.[17][18]

Segurança

De acordo com alguns registros, os Hells Angels foram contratados como seguranças pelos empresários dos Rolling Stones, baseados nas recomendações do Jefferson Airplane e Grateful Dead (ambos os grupos haviam usado previamente os serviços dos Hells Angels como seguranças em concertos, sem que tivesse ocorrido qualquer distúrbio),[19][20] ao preço de quinhentos dólares estadunidenses em cerveja. Esta história foi negada por algumas partes que não estavam diretamente envolvidas. De acordo com o empresário da turnê de 1969 dos Rolling Stones Sam Cutler, "o único acordo que existiu foi... que os Angels garantiriam que ninguém mexesse com os geradores, só isso. Não houve de jeito nenhum essa história de que eles seriam a polícia do festival. Isso é tolice". O acordo foi firmado num encontro que reuniu Cutler, o empresário do Grateful Dead Rock Scully, e Pete Knell, um membro do capítulo de Los Angeles do Hells Angels.[21] De acordo com Cutler, o arranjo foi que todas as bandas dividiriam o custo do pagamento de quinhentos dólares estadunidenses em cerveja, "[mas] a pessoa que pagou fui eu, e eu nunca fui reembolsado até hoje".[22] O membro do Hells Angels Bill Fritsch se lembra de um acordo com Cutler num encontro antes do concertoː

Nós não fazemos serviço de polícia. Não somos uma força de segurança. Nós vamos a concertos para nos divertir.

Bem, e quanto a ajudar pessoas - você sabe, dizer onde ficam as coisas?

Claro, isso nós podemos fazer.

Quando Cutler perguntou como eles gostariam de ser pagos, Bill respondeuː "nós gostamos de cerveja". No documentário Gimme Shelter, Sonny Barger diz que os Hells Angels não estavam interessados em policiar o evento, e os organizadores lhe haviam dito que os Hells Angels fariam pouco mais do que ficar sentados à beira do palco, tomando cerveja e assegurando que não houvesse assassinatos ou estupros.

Em 2009, Cutler explicou sua decisão de usar os Hells Angelsː

Eu estava falando com eles porque eu estava interessado na segurança da minha banda - na segurança de todos, por extensão. Numa terra de cegos, quem tem um olho é rei. Eles eram os únicos que eram fortes e unidos. [Eles tinham que proteger o palco] porque ele estava decaindo no absoluto caos. Quem iria parar isso?

O empresário do Grateful Dead Rock Scully disse que, se os Angels não estivessem no palco,

toda aquela multidão entraria facilmente no palco. Não havia barreira.[23]

Stefan Ponek, que apresentou um programa da rádio KSAN-FM em 7 de dezembro de 1969 com quatro horas de duração relatando o dia seguinte do concerto, disse o seguinte no lançamento de 2000 do DVD Gimme Shelterː

O que nós aprendemos na transmissão foi surpreendenteː essas pessoas - os Angels - haviam sido contratadas e pagas com quinhentos dólares estadunidenses em cerveja, num caminhão com gelo, essencialmente para trazer os Stones e manter as pessoas afastadas do palco. Esse era o acordo. E parecia não haver desentendimentos quanto a isso, especialmente porque os Stones não sabiam com que tipo de pessoas estavam lidando.

O DVD de Gimme Shelter contém largos trechos dessa transmissão. Um membro do Hells Angels que se identificou como "Pete, dos Hells Angels de São Francisco" (provavelmente Pete Knell, presidente do capítulo de São Francisco) disse que "eles nos ofereceram quinhentos dólares estadunidenses em cerveja [para] ir lá e tomar conta do palco... nós pegamos essa cerveja para fazer isso." Sonny Barger, que também participou do programa da rádio KSAN, afirmaː "nós fomos orientados pelos outros clubes [dos Hells Angels] para aparecer lá, sentar na beira do palco e tomar cerveja... que o empresário dos Stones ou outra pessoa qualquer havia comprado para nós". Barger ainda dizː

Não sou um guarda, nunca vou sequer fingir que sou um. Eu não fui lá para policiar ninguém. Eles me pediram para sentar na borda do palco para que ninguém pudesse passar por cima de mim, eu poderia beber até que o concerto tivesse terminado. E foi isso que eu fui fazer lá.

Uma mulher que ligou para o programa revelou que viu pelo menos cinco brigas a partir da posição vantajosa em que estava, perto do palco, e que os Angels estavam envolvidos em todas elas. Ela também descreveu uma atitude em geral inamistosa em relação a pessoas que precisavam claramente de ajuda; uma mulher que havia sido arrastado pelos cabelos até o palco, e outra que estava sob efeito de drogas e era chutada e pisoteada pelos espectadores. Ela achava que ter os Angels como seguranças havia sido uma decisão irresponsável porque "todos estávamos apavorados com eles". Quando ela tentou falar sobre isso durante o concerto, foi orientada a ficar calada pelos espectadores ao redor dela, por medo de que ela fosse agredida. Neste ponto, o apresentador do programa Wes Nisker mencionou o efeito espectador e o assassinato de Kitty Genovese.[24]

Emmet Grogan (fundador do grupo ativista Diggers), que estava envolvido intimamente com a organização do evento (especialmente com as duas locações planejadas inicialmente), confirmou o acordo de quinhentos dólares estadunidenses no programa da rádio KSAN.

"Pete" também disse, a Ponek, que os Angels haviam sido contratados por Cutler por causa de alguns incidentes no palco durante os concertos dos Stones em Oakland e Miami algumas semanas antes. "Pete" disse que os Angels não haviam aceitado a tarefa de seguranças, porém mudaram de ideia após a oferta de quinhentos dólares estadunidenses em cerveja. Ele também disse que Cutler deu poucas instruções de segurança aos Angels além de "manter as pessoas fora do palco". E que os Angels, embora não sejam agentes de segurança, "se nós dizemos que vamos fazer alguma coisa, nós fazemos. Se decidimos fazer algo, está feito. Não importa o quão longe temos de ir para fazê-lo". A mesma falta de instruções detalhadas de segurança pela administração do concerto também foi mencionada por Barger durante sua intervenção telefônica.

Dick Carter, o proprietário do autódromo de Altamont, havia contratado centenas de seguranças profissionais à paisana, ostensivamente mais para proteger sua propriedade do que para oferecer segurança e conforto aos espectadores. Barger menciona esses guardas, que podiam ser identificados pelo uso de "pequenos buttons brancos".

O cientista político e crítico cultural James Miller acredita que, como Ken Kesey havia convidado os Hells Angels para um de seus "testes ácidos" ao ar livre, os hippies haviam idealizado os motoqueiros como bons selvagens[25] e "irmãos fora da lei da contracultura". Miller também mantém que os Rolling Stones foram enganados por supostos Hells Angels britânicos, fãs não fora da lei dos motoqueiros estadunidenses, que haviam providenciado segurança não violenta para o concerto gratuito da banda no Hyde Park no início do ano.[26] Cutler, no entanto, nega que alguma vez tenha tido ilusões quanto à real natureza dos Hells Angels californianos. "Isso foi outro boato difundido pela imprensa".

Referências
  1. Spokesman-Review (7 de dezembro de 1969). «"Rockfest jams freeway traffic"». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  2. The Bulletin (8 de dezembro de 1969). «"Biggest rock concert ends"». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  3. The Bulletin (8 de dezembro de 1969). «"Biggest rock concert ends"». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  4. Livermore Heritage Guild Journal (março/abril de 2010). «Altamont Rock Festival: '60s Abruptly End (Part I of II)» (PDF). Consultado em 31 de janeiro de 2020  line feed character character in |título= at position 24 (ajuda); Verifique data em: |data= (ajuda)
  5. The Bulletin (8 de dezembro de 1969). «"Biggest rock concert ends"». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  6. Grover Lewis (18 de dezembro de 1969). «Viewing the Remains of a Mean Saturday». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  7. Livermore Heritage Guild Journal (março/abril de 2010). «Altamont Rock Festival: '60s Abruptly End (Part I of II)» (PDF). Consultado em 31 de janeiro de 2020  line feed character character in |título= at position 24 (ajuda); Verifique data em: |data= (ajuda)
  8. Bangs, Lester; Brown, Reny; Burks, John; Egan, Sammy; Goodwin, Michael; Link, Geoffrey; Marcus, Greil; Morthland, John; Schoenfeld, Eugene; Thomas, Patrick; Winner, Langdon (21 de janeiro de 1970). «The Rolling Stones Disaster at Altamont: Let It Bleed». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  9. Lydon, Michael (setembro de 1970). "An Evening with the Grateful Dead". [S.l.]: Rolling Stone  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  10. Bangs, Lester; Brown, Reny; Burks, John; Egan, Sammy; Goodwin, Michael; Link, Geoffrey; Marcus, Greil; Morthland, John; Schoenfeld, Eugene; Thomas, Patrick; Winner, Langdon (21 de janeiro de 1970). «The Rolling Stones Disaster at Altamont: Let It Bleed». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  11. John Burks (7 de fevereiro de 1970). «Rock & Roll's Worst Day». Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  12. Colin Larkin, ed. (1997). The Virgin Encyclopedia of Popular Music (Concise ed.). [S.l.]: Virgin Books. pp. p. 35. ISBN 1-85227-745-9 
  13. Barbara Rowes. Grace Slick, Biography. [S.l.: s.n.] pp. pp. 155–157 
  14. Dennis McNally. Inside History of the Grateful Dead. [S.l.]: Broadway. ISBN 0-7679-1186-5 
  15. Curry, David (5 de dezembro de 2009). Deadly Day for the Rolling Stones. [S.l.]: The Canberra Times  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  16. Curry, David (5 de dezembro de 2009). Deadly Day for the Rolling Stones. [S.l.]: The Canberra Times  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  17. The Rolling Stones; et al. (1970). Gimme Shelter (DVD released 2000). [S.l.]: Criterion 
  18. Michael Sragow (10 de agosto de 2000). «"Gimme Shelter": The true story». Consultado em 6 de fevereiro de 2020 
  19. Rolling Stone. «The Rolling Stones» 
  20. Miller, James (1999). Flowers in the Dustbin: The Rise of Rock and Roll, 1947–1977. [S.l.]: Simon & Schuster. pp. pp. 275–277. ISBN 0-684-80873-0 
  21. Curry, David (5 de dezembro de 2009). Deadly Day for the Rolling Stones. [S.l.]: The Canberra Times  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  22. Curry, David (5 de dezembro de 2009). Deadly Day for the Rolling Stones. [S.l.]: The Canberra Times  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  23. Curry, David (5 de dezembro de 2009). Deadly Day for the Rolling Stones. [S.l.]: The Canberra Times  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  24. «KSAN's Post-Altamont Broadcast». Consultado em 12 de fevereiro de 2020 
  25. Miller, James (1999). Flowers in the Dustbin: The Rise of Rock and Roll, 1947–1977. [S.l.]: Simon & Schuster. pp. pp. 275–277. ISBN 0-684-80873-0 
  26. Miller, James (1999). Flowers in the Dustbin: The Rise of Rock and Roll, 1947–1977. [S.l.]: Simon & Schuster. pp. pp. 275–277. ISBN 0-684-80873-0