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Tokamak

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ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor) - projeto de reator experimental a fusão nuclear baseado na tecnologia do tokamak.

O tokamak é um dispositivo experimental projetado para confinar plasmas de alta temperatura numa região com a forma de um toróide, usando para isso campos magnéticos intensos. Dessa forma, é possível o estudo de plasmas em condições de temperaturas e densidades que possam levar à fusão nuclear controlada de núcleos leves como o deutério e trítio. Um dos objetivos da pesquisa nesta área é viabilizar a construção de reatores nucleares de fusão. O tokamak representa uma das várias classes de dispositivos para confinamento magnético de plasmas.[1][2][3]

O termo tokamak é uma transliteração da palavra russa tокамак que por si só é um acrônimo das palavras: "тороидальная камера с магнитными катушками" (toroidal'naya kamera s magnitnymi katushkami) — câmara toroidal com bobinas magnéticas[4][5]. Foi inventado no final da década de 1950 pelos físicos soviéticos Igor Tamm e Andrei Sakharov (que foram inspirados por ideia original de Oleg Aleksandrovich Lavrent'ev[4][6]) e construído no Instituto Kurchatov em Moscou.[5][7]

Confinamento do plasma

Principais campos magnéticos do tokamak - Figura A: (1) - bobinas (azuis) que geram o campo toroidal (setas pretas); Figura B: (2) - campo magnético poloidal gerado pela corrente no plasma (3); Figura C: (6) campo toroidal + (7) campo poloidal gerando o campo resultante helicoidal (5).

Para que a fusão nuclear ocorra é necessário que os núcleos se aproximem o suficiente para haver interação. Para isso é necessário vencer a repulsão eletrostática (uma vez que os núcleos possuem cargas elétricas positivas). Os núcleos que possuem a menor carga elétrica e, portanto, são mais adequados à fusão são o hidrogênio e seus isótopos (deutério e trítio).[1]

Para vencer a repulsão eletrostática, os núcleos devem ter uma energia muito grande, dito de outra forma, sua temperatura deve ser muito alta. Para que a fusão ocorra, a temperatura típica deve ser da ordem de 100 milhões de graus Celsius. Nesta temperatura os átomos são ionizados e a matéria fica no estado de plasma.[8]

Além da alta temperatura, o plasma deve ser mantido confinado numa determinada região do espaço e por um tempo suficientemente longo para aumentar probabilidade de fusão.[1]

Existem três formas para confinar o plasma:[1][8][9]

  • Confinamento gravitacional: é a forma como as estrelas contêm o plasma, os núcleos de hidrogênio, na forma de gás, são comprimidos pela gravidade atingindo temperaturas de milhões de graus. O Sol, assim como todas as estrelas, é na verdade um reator natural de fusão nuclear. Porém este tipo de confinamento é impraticável na Terra.
  • Confinamento inercial: neste caso são utilizados feixes de lasers ou de partículas muito intensos, que são focalizados em um alvo pequeno (cerca de 1 mm de diâmetro) contendo deutério e trítio. Dessa forma, o alvo é comprimido a densidades extremamente elevadas e sua temperatura sobe para cerca de 100 milhões de graus Celsius levando à fusão nuclear.
  • Confinamento magnético: o plasma é um fluído condutor, portanto as partículas carregadas sofrem uma força quando lhes é aplicado um campo magnético. As partículas descrevem trajetórias em forma de hélice, enrolando-se em torno das linhas de campo magnético. Dessa forma com o uso de campos magnéticos apropriados é possível confinar o plasma numa região do espaço. Vários dispositivos experimentais foram desenvolvidos usando o confinamento magnético como: tokamak, stellarator, espelhos magnéticos, teta-pinch, z-pinch.

Funcionamento

O tokamak se utiliza do confinamento magnético para aprisionar e aquecer o plasma. Para isso usa um conjunto de bobinas nas quais flui uma corrente elétrica, gerando campos magnéticos (eletroímã) em uma configuração adequada.

Algumas dessas bobinas são distribuídas entorno de uma câmara em formato de toro (semelhante à câmara de pneu), são as bobinas que geram o campo magnético toroidal (vide figura).[1][8]

Além disso é possível induzir uma corrente elétrica no próprio plasma, essa corrente gera o campo magnético poloidal (vide figura). A geração dessa corrente é possível por que o plasma num tokamak funciona como o enrolamento secundário de um transformador (o enrolamento primário fica localizado fora da câmara toroidal).[1][8]

Os campos toroidal e poloidal combinam-se gerando um campo resultante em espiral conhecido como campo helicoidal (vide figura). As partículas carregadas que formam o plasma descrevem trajetórias em forma de hélice em torno desse campo helicoidal, resultando em seu aprisionamento.[1][8][2]

A estabilização completa do plasma é conseguida adicionando-se ainda bobinas externas paralelas ao plano do toróide (bobinas poloidais), situadas acima e abaixo da câmara toroidal, que geram um campo magnético vertical.[1]

Pontos positivos dos tokamaks

Os tokamaks não geram riscos de explosão (caso a operação de um reator de fusão nuclear desse algum problema, como o rompimento de uma proteção, por exemplo, o plasma onde o processo ocorre esfriaria e a reação seria interrompida imediatamente) e também não geram resíduos radioativos e nem dióxido de carbono (visto que o resultado da reação é Hélio-4 um gás inerte). Além disso, os tokamaks são muito eficientes, com apenas 1 Kg de deutério e Trítio é possível produzir 93,6 GWH, isso é quatro vezes a energia produzida pela fissão nuclear da mesma quantidade de urânio-235, ou seja, fundindo 5 kg de água do mar por hora, daria para abastecer a demanda por energia do Brasil inteiro e com apenas 2 . 10-9 % do deutério daria para fornecer energia elétrica para o mundo inteiro durante um ano.[10][11]

Pontos negativos dos tokamaks

Os tokamaks ainda consomem mais energia do que produzem e pode levar algumas décadas para que eles possam ser usadas comercialmente e em larga escala, fora os elevados custos deles, como por exemplo, o ITER, que custou cerca de 20 bilhões de euros.[12][13]

No Brasil

No Brasil há pelo menos três tokamaks de pequeno porte: o Tokamak Chauffage Alfvén Brasilien (TCABR) no departamento de Física Aplicada da USP[14]; o Tokamak NOVA II; doado pela Unicamp ao laboratório de Plasma do Instituto de Matemática, Estatística e Física (Imef) da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, que anteriormente veio da Universidade de Kyoto; e um terceiro, em formato esférico, no Laboratório Associado de Plasma do INPE, em São José dos Campos. Este último é denominado ETE (Experimento Tokamak Esférico).[15][16][17][18]

O Experimento Tokamak Esférico (ETE), é utilizado para estudos de plasma em tokamaks de baixa relação de aspecto. O ETE foi inteiramente projetado e construído no LAP (Laboratório Associado de Plasma) do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) do Brasil.[19] [20] [21] [22]

Em Portugal

Existe em Portugal um Tokamak de secção circular, ISTTOK.[23] Encontra-se montado e em funcionamento regular desde 1990 no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, situado no campus do Instituto Superior Técnico em Lisboa. Com este reator, Portugal integra o projeto ITER[24] desde 1998 e conta também com a colaboração de cientistas brasileiros.

Ver também

Referências
  1. a b c d e f g h Nelson Fiedler-Ferrari, Ivan Cunha Nascimento (1987). Fusão termonuclear controlada (PDF). São Paulo: Instituto de Física -USP 
  2. a b Bruno Coppi; Jan Rem (julho de 1972). «The Tokamak Approach in Fusion Research». Scientific American. Scientific American (em inglês). 227 (1): 65-75 
  3. Tokamak. Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
  4. a b B D Bondarenko (2001). «Role played by O A Lavrent'ev in the formulation of the problem and the initiation of research into controlled nuclear fusion in the USSR». Moscow: Uspekhi Fizicheskikh Nauk (Russian Academy of Sciences). Physics - Uspekhi (em inglês). 44 (8): 844-851. doi:10.1070/PU2001v044n08ABEH000910. Consultado em 3 de janeiro de 2020 
  5. a b Garry McCracken, Peter Stott (2005). «Cap. 5 - Magnetic confinement». Fusion: The Energy of the Universe. Col: The Complementary Science Series (em inglês). [S.l.]: Elsevier Academic Press. ISBN 9780124818514 
  6. (em russo) Bondarenko BD: "O papel desempenhado por Lavrentiev na formulação do problema e no início da investigação da fusão nuclear controlada na física da URSS." Uspekhi Fizicheskikh Nauk. Fizicheskiy Institut im. P.N. Lebedeva Rossiyskoy Akademii Nauk (Avanços nas Ciências Físicas; Instituto de Física P.N. Lebedev da Academia Russa de Ciências).
  7. John Wesson (2014). «Cap. 1 - Bringing the sun to earth». The science of JET (PDF). JET–R(99)13. [S.l.]: Culham Publication Services. p. 6. Consultado em 3 de janeiro de 2020 
  8. a b c d e Carlos Varandas; M. E. Manso (janeiro de 2006). «Fusão nuclear uma opcão energética para o futuro». Portugal: Sociedade Portuguesa de Física. Gazeta de física. 29 (1): 66-73. Consultado em 3 de janeiro de 2020 
  9. Igor Zolnerkevic (agosto de 2011). «A energia das estrelas». São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Pesquisa FAPESP (186): 60-63. Consultado em 4 de janeiro de 2020 
  10. «O futuro está na fusão». Super. Consultado em 26 de maio de 2021 
  11. «Fusão Nuclear. Fusão nuclear e reator nuclear de fusão». Brasil Escola. Consultado em 26 de maio de 2021 
  12. «Como é o poderoso 'sol artificial' com que a China espera gerar energia limpa». BBC News Brasil. Consultado em 26 de maio de 2021 
  13. Energy, Resize Solar (30 de maio de 2018). «Reator nuclear ITER custa 20 bilhões de Euros e será obsoleto antes de». resize-solar-energy. Consultado em 26 de maio de 2021 
  14. «Física de Plasmas e Controle de Oscilações». Departamento Física Aplicada - USP. Consultado em 5 de janeiro de 2020 
  15. G.O. Ludwig; Y. Aso, J.J; Barroso, J.L. Ferreira; R.M.O. Galvão; A. Montes; G.M. Sandonato; M. Ueda, W.P. Sá; A.G. Tuszel; L.C.S. Góes. The Proto-ETA small aspect ratio experiment. Improving Tokamak Performance through Innovations from Small Fusion Experiments, Proceedings of the IAEA Technical Committee Meeting on Research using Small Tokamaks, Washington, USA, 1990. IAEA Technical Document 604: 159-174, Vienna, 1991. In Research using small tokamaks. Proceedings of a Technical Committee Meeting held in Arlington, Virginia, USA, 27-28 September 1990.
  16. (em português) Inpe. Laboratório Associado de Plasmas. Tokamaks Esféricos (fusão)
  17. (em inglês) Ludwig, G.O.; Del Bosco, E.; Ferreira, J.G.; Berni, L.A.; Oliveira, R.M.; Andrade, M.C.R.; Shibata, C.S.; Ueda, M.; Barbosa, L.F.W.; Barroso, J.J., Castro, P.J. & Patire Jr, H.. (2003) Spherical tokamak development in Brazil. Brazilian Journal of Physics, 33(4), 848-859.
  18. Inpe investe na área de fusão nuclear. Por Silveira , Virgínia. Publicado originalmente em Valor Econômico, 31 de março de 2010
  19. International Nuclear Information SystemThe ETE spherical Tokamak project. (INIS - Ludwig, Gerson Otto; Andrade, Maria Celia Ramos de; Barbosa & Luis Filipe Wiltgen. International Nuclear Information System, (em inglês) Acessado em 20/03/2019.
  20. Scielo - Spherical Tokamak Development in Brazil. G.O. Ludwig, E. Del Bosco, J.G. Ferreira, L.A. Berni, R.M. Oliveira,M.C.R. Andrade, C.S. Shibata, M. Ueda, L.F.W. Barbosa. Brazilian Journal of Physics, vol. 33, Nº 4, Dezembro, 2003, (em inglês) Acessado em 20/03/2019.
  21. Eddy currents in the vacuum vessel of the ETE spherical tokamak. - G.O. Ludwig, E. Del Bosco & J.G. Ferreira, ResearchGate, 2 de Dezembro de 2004, (em inglês). Acessado em 20/03/2019.
  22. Scielo - Theoretical Methods in the Design of the Poloidal Field Coils for the ETE Spherical Tokamak. Gerson Otto Ludwig, Laboratório Associado de Plasma, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, SP, Brazil, Setembro de 1997, (em inglês) Acessado em 20/03/2019.
  23. (em português) Tokamak ISTTOK
  24. (em inglês) Projecto ITER

Bibliografia

Ligações externas

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Vídeos

  • World News - Fusión Nuclear - La energía inagotable. Proyecto ITER. Tokamak. (em castelhano) Página visitada em 3 de fevereiro de 2016.
  • World News - Nuclear Fusion - Tokamak VS Stellarator. (em inglês) Página visitada em 3 de fevereiro de 2016.